Description
Detailed Description
O minderico é uma variedade linguística ameaçada falada em Minde, concelho de Alcanena, e de forma ainda mais ameaçada em Mira de Aire, concelho de Porto de Mós, internacionalmente reconhecida como língua individual, autónoma e viva, com o código ISO “drc”, código esse que lhe foi atribuído em Maio de 2011 pelo SIL International (entidade responsável pela atribuição dos códigos ISO às línguas do mundo).
De acordo com os registos escritos analisados até ao momento, o minderico surgiu nos finais do seculo XVII/inícios do século XVIII como um sociolecto (a linguagem de um grupo sócio profissional específico, neste caso os cardadores e vendedores de mantas e têxteis). Contudo, análises etimológicas levadas a cabo por Vera Ferreira (linguista especialista em minderico) comprovam que esta língua tem uma origem mais remota. Com o alargamento do seu vocabulário e o consequente aumento dos seus contextos de aplicação, o minderico rapidamente se espalhou a toda a comunidade, sendo usado como linguagem do quotidiano em Minde, não só em contextos de produção e venda de mantas mas em todos os contextos sócio-culturais, económicos, políticos, etc.. Por volta dos anos 70 do século XX o número de falantes de minderico começou a regredir drasticamente, o que se deveu por um lado ao êxodo da população local para os grandes centros urbanos (nacionais e internacionais) em busca de novas oportunidades de trabalho e, por outro, à pressão sempre constante do português enquanto língua do ensino, da administração e da comunicação social. Actualmente o minderico conta com cerca de duas centenas de falantes activos (que usam a língua diariamente), a maioria deles com uma idade superior a 50 anos, e cerca de 1000 falantes passivos (que entendem a língua mas não a falam); a transmissão intergeracional foi interrompida, sendo já raras as crianças que falam minderico. Apesar dos esforços da comunidade, a existência do minderico está actualmente ameaçada e todo o tipo de apoio é fundamental para inverter esta situação.
Foi o reconhecimento do estado actual do minderico e as consequências que uma perda desta natureza traz para a riqueza e diversidade linguísticas e culturais quer de Portugal quer da Europa que levou o CIDLeS – Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social a focar o seu trabalho nas línguas ameaçadas na Europa (sua documentação e estudo) e a desenvolver diversos projectos para o estudo e revitalização do minderico, sempre em colaboração com a comunidade de falantes, sendo um desses projectos o Dicionário Bilingue Piação-Português.
Em Setembro de 2011 o CIDLeS iniciou o trabalho de preparação do primeiro dicionário de minderico no verdadeiro sentido do termo. O que temos até ao momento são apenas glossários, incompletos e sem base científica. Este dicionário bilingue e bidireccional (Minderico – Português / Português – Minderico) está a ser elaborado numa perspectiva interdisciplinar (aliando à linguística a história, os estudos culturais e sociais e a informática) e em formato multimédia que permite associar às palavras (e respectiva informação etimológica, fonética, semântica, morfossintáctica, sócio-pragmática e histórica) som, vídeo, fotografia e exemplos de uso contextualizados.
Para tal será feita uma inventariação exaustiva do léxico minderico, recorrendo sempre a dados primários (resultantes do trabalho directo com os informantes sob a forma de entrevistas (livres e com estímulo) e gravações de eventos comunicativos com e sem participação activa do investigador), a fontes linguísticas, históricas, geográficas e culturais existentes e a resultados de investigação anteriormente desenvolvida.
Assim, cada entrada do dicionário estará estruturada da seguinte forma:
- Lexema
- Transcrição fonética (em IPA) e registo fonográfico
- Imagem (quando se aplica)
- Termo superordenado
- Análise morfossintáctica
- Análise pragmática
- Definição em português
- Exemplo de utilização e registo videográfico e / ou fonográfico
- Tradução livre do exemplo
- Fonte do exemplo
- Análise etimológica
- História da palavra (informações sócio-culturais e históricas)
- Fonte do primeiro registo do lexema
- Notas adicionais (em forma de texto, áudio, vídeo, fotografia)
- Sinónimos
A versão digital (em CD ou DVD consoante as necessidades finais) será um complemento da versão em formato papel, sendo ambas distribuídas conjuntamente. Além da comercialização local e nacional, este dicionário estará também disponível em plataformas internacionais de venda online.
Community involvement in collaborative language documentation
O sucesso da documentação de uma língua e sua consequente revitalização dependem intrinsecamente do interesse e envolvimento da sua comunidade de falantes. A documentação e revitalização linguísticas jamais se podem impor sobre a comunidade, como ideais românticos e científicos. O reconhecimento da importância do património que uma variedade linguística representa, tanto a nível cultural como identitário, e da necessidade da sua documentação tem, acima de tudo, de ser intracomunitário. O investigador deve apenas ajudar a comunidade com o seu know-how técnico e científico para que se consiga uma documentação de qualidade. Consequentemente, o envolvimento máximo da comunidade minderica neste projecto é o elemento fundamental para o seu sucesso.
Assim, a equipa de investigadores trabalha directamente com vários informantes de minderico que participam nas diversas etapas de elaboração do dicionário, não só no processo de inventariação mas também de análise, por exemplo ao nível da análise etimológica e histórica (estamos a trabalhar com três informantes especialistas em história local – Agostinho Nogueira e Abílio Martins), da análise fonética (neste nível estamos a trabalhar com uma informante feminina que grava a forma como pronuncia as palavras do dicionário – Elsa Nogueira), ou da análise pragmática (um informante masculino e duas informantes femininas dão-nos indicações concretas dos contextos de utilização, indicações essas que testamos posteriormente com outros informantes e em diversos contextos – Celeste Moura, Maria Alzira Roque Gameiro e Jorge Formiga), para salientar apenas alguns.
Neste trabalho com a comunidade local a “selecção” dos informantes teve por base não só os conhecimentos linguísticos e sócio-culturais e a experiência já conseguida no trabalho conjunto em outros projectos, mas também a diversidade de gerações, sempre com o objectivo de despertar o interesse da geração mais nova para o minderico.